quinta-feira, 14 de abril de 2011

Reportagem “Cêntimos contados”


Actualmente, o ensino superior em Portugal passa por uma grave crise. As propinas cada vez mais elevadas e o crescente corte no apoio social (bolsas de estudo) por todo o país levam os estudantes portugueses ao desespero.

"Neste momento, as propinas do ensino superior em Portugal são das mais elevadas da Europa, sobretudo se medidas em relação ao salário mínimo nacional, enquanto o sistema de apoio social directo é dos mais limitados", lamentou Seabra Santos, presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), sublinhando que "a inteligência e a capacidade de aprender não são privilégio de nenhum grupo ou camada social".

Os estudantes são forçados a encontrar soluções que lhes permitam continuar a estudar para que possam realizar os seus sonhos e atingir, mais tarde, uma completa realização profissional. Se uma dessas soluções se torna cada vez mais remota, como é o caso das bolsas de estudo neste momento, estes jovens encontram outra: trabalhar para estudar.

Se antes o trabalhador-estudante tinha como estereótipo a imagem de uma pessoa de mais idade que resolve voltar a estudar e quer tirar um curso superior, agora o trabalhador-estudante é composto por pessoas de faixas etárias diferenciadas, incluindo os mais jovens. Estes, cada vez mais, entendem e têm a necessidade de estudar e de conseguir um curso superior para mais tarde ingressarem no mundo do trabalho e conquistarem o sucesso que tanto ambicionam.

A situação crítica em que o país se encontra não abona nada a favor destes estudantes. A taxa de desemprego aumenta de dia para dia, dificultando a vida dos jovens. Com a falta de emprego e sem apoio social de qualquer tipo, muitos abandonam o ensino superior, o que conduz a um baixo nível de educação que afecta o país irremediavelmente, criando-se um ciclo vicioso.

“Cada vez é mais difícil encontrar um emprego.”, revela Nuno Oliveira, estudante da Universidade de Economia de Coimbra. “Já é difícil encontrar um trabalho que nos permita estudar ao mesmo tempo, mas agora com estas dificuldades já não sei o que fazer. Se não conseguir um trabalho rapidamente, o mais certo é abandonar o curso.”, lamenta o jovem.

O trabalhador-estudante não tem a sua vida facilitada de nenhum modo. À procura incessante de emprego junta-se muitas vezes a incompatibilidade de horários. Se por um lado, concluir o curso é importante, por outro, o emprego também o é, visto que é este que o sustenta e que lhe permite frequentar o curso. Por estas razões, é necessário preservar o emprego que se consegue e fazer alguns sacrifícios.

Os estudantes portugueses tendem a procurar trabalhos que lhes possibilitem alguma flexibilidade horária (sendo estes difíceis de encontrar) de modo a terminar o curso no tempo previsto. Durante estes anos, os alunos que trabalham para estudar não têm tempo disponível, tudo se resume a estudar e a trabalhar. Se os jovens que só estudam têm o dia preenchido e fazem as chamadas “noitadas”, o trabalhador-estudante tem responsabilidades redobradas.

“Trabalhar e estudar ao mesmo tempo é muito complicado. O trabalho e o estudo juntam-se e é uma grande confusão”, testemunha Ana Faria, estudante da Escola Superior de Educação de Coimbra (ESEC). “No fim, o esforço compensa. Mas é muito cansativo.”

Na maior parte das vezes, o tempo dedicado ao estudo é quase inexistente, visto que muitos estudantes trabalham a tempo inteiro e tentam ir ao maior número de aulas possível. Este esforço não chega e muitas cadeiras ficam inacabadas, tendo cadeiras “soltas” em vários anos do curso. A situação em que muitos vivem pode causar alguns problemas, pois as matérias leccionadas não são fornecidas aos estudantes na ordem correcta, faltando-lhes as chamadas “bases” para o curso.

O número de estudantes a trabalhar para estudar tende a aumentar quanto menos apoios sociais existirem à disponibilidade dos alunos.

“Comecei a trabalhar aos fins-de-semana e nas férias quando fiz dezasseis anos. Na altura, só queria ter o meu próprio dinheiro e comprar as minhas coisas.”, revela Ana Faria, “Agora os meus pais não têm dinheiro para me manter a estudar. Por isso, continuo a trabalhar aos fins-de-semana e estou à procura de um emprego em Coimbra. Se trabalhar já era uma necessidade, agora essa necessidade é ainda maior.”, lamenta, “Tudo seria mais fácil se tivesse uma bolsa de estudo.”, conclui a estudante.

O grande problema das bolsas de estudo é o simples facto de, por vezes, serem atribuídas muito tarde, chegando o dinheiro com meses de atraso. Em outros casos, estas são atribuídas a estudantes que não precisam realmente de ajuda a nível monetário, gastando esse dinheiro no que não precisam. Devido à constatação deste facto, os apoios sociais aos estudantes do ensino superior foram drasticamente contidos. Tal decisão afecta directamente os alunos realmente necessitados, levando-os a tomar medidas, como trabalhar para poder continuar a estudar.

A vida dos estudantes que trabalham para poder ter o futuro com que sonham afigura-se difícil. A percentagem de abandono do ensino superior continua a subir.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Há quem tenha nascido em berços de lata.



Ainda ontem era eu tão pequena...

A minha maior preocupação era conseguir ter meia dúzia de moedas para poder comprar algumas chiclets na mercearia da  "ti" Lúcia, como era conhecida lá na aldeia. Com o passar dos anos, mudei da escolinha com o recreio repleto de ervas secas para a escola "dos grandes". E daí, aterrei numa escola que prima por ser frequentada por pessoas ainda maiores, maioritariamente vestidos de preto e branco e com as suas capas sobre as costas doentes das noitadas (seja por causa dos passeios pela Praça da República ou das frequências e trabalhos "para o dia a seguir"). Isto para poder concluir que, a partir de Outubro deste ano, as minhas preocupações financeiras mudaram da noite para o dia.

Dependendo do sítio de onde cada um de nós chegou, adaptamos a "estadia" por Coimbra às nossas próprias necessidades. Nem todos nascemos em "berços de ouro" e por vezes, até mesmo para quem sempre viveu em Coimbra, é difícil conseguir ter uma passagem tranquila pelo ensino superior. Há, claro, o  enorme detalhe que é comum a qualquer uma das pessoas que vejo todos os dias quando subo as escadas do portão da entrada: todas têm de pagar propinas.

propina 
s. f.
1. Gratificação.
2. Quantia que se paga ao Estado para fazer uma matrícula, um exame, obter a equivalência de diplomas e outros actos!.
3. Quantia paga para frequentar um estabelecimento de ensino superior.
4. Desus. Jóia! que em algumas associações paga aquele que delas quer fazer parte.
in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa


Quando nos deparamos com as diferentes realidades que existem à nossa volta, paramos para pensar nos sacrifícios que alguns estudantes fazem para, dia após dia, continuar de cabeça levantada, sorrindo enquanto avançam dos claustros até ao topo das escadas interiores do edifício do qual esperam sair, no tempo certo (nem mais um ano, nem menos um ano) com uma licenciatura abraçada a si, embebida na maior justiça do mundo.